A Instituição



Unidos de coração freqüentavam todos os dias o templo.
Partiam o pão nas casas e tomavam a
comida com alegria e singeleza de coração,
louvando a Deus e cativando a simpatia de todo o povo.
E o Senhor cada dia lhes ajuntava
outros que estavam a caminho da salvação. Atos dos Apóstolos


A celeuma a cerca da palavra “instituição”, dada ao seu significado cunhado pela representatividade negativa vigente e desde sempre, tem, ultimamente, sido discutida pela sociedade religiosa e marcada pelos diversos núcleos que estão surgindo em diversos países, inclusive no Brasil e que se auto-marginalizam estabelecendo um desvínculo com as predominantes redes evangélicas. No Brasil, o “Caminho da Graça”, que não foi o primeiro e nem será o último movimento, vem sendo a campeã de crítica por ser um movimento do evangelho sem alianças com o mundo evangélico. Este movimento como tantos outros que acontecem no mundo, acontecem como reação daqueles que entendem que o evangelho pode passar por qualquer instituição, porém delas, não se torna refém e a partir daí, dão inícios a jornadas históricas através de encontros e repartições.


Todos nós sabemos: o Espírito Santo, o vento impetuoso, sopra onde quer e como quiser e sem a necessidade de pontos específicos para se apoiar e soprar. A organização mais underground que se possa existir, nunca servirá de eixo para possibilitar o vento impetuoso dançar a “dança do vento”. Quem pensa que pode conter este vento está mais perdido do que cego diante o cinema mudo. A saber, este vento é quem dá o fôlego de vida para que o Homem dê o primeiro olhar com graça em direção a Deus. Este vento é a força motriz da consciência do ato, da reação, do gesto, do cuidado e dos primeiros passos para movimentar águas.


Se vidas se combinam em comunidade para que algo aconteça, essas vidas apenas se combinam para dar “graças a Deus” juntos. Nada explode na eternidade quando o Homem se une pelo Evangelho. O único ser que explode, é o próprio Homem quando visualiza o Eterno bem de perto, bem próximo e no próximo. Deus não sofre um metabolismo crescente e poderoso quando o Homem diz “Sim”, o Homem é que se eterniza quando diz “Sim”. Este “Sim”, não tem nada a ver com estereótipo, adesão, tradição, modinha, “levantar de mão”, membresia, demonstração pública, quantidade de batismo, controle de freqüência e etecéteras. O “Sim” para Deus é este:


Digo-vos que haverá júbilo entre os anjos
de Deus por um só pecador que se arrependa. São Lucas




Deu para perceber a inegociável linguagem entre Deus e o indivíduo? E isso acontece independente da instituição, pois ela, a instituição, só serve para servir ao Homem e o coração que se arrepende, serve a Cristo.
A instituição serve para compartilhar os nossos bens e para chorar com os que choram  A instituição serve para lavar pés. A instituição serve para ensinar e aprender. A instituição serve para curar pessoas, almas. A instituição serve para despoluir mentes dos vícios danosos. Pois a instituição é o elo do grito e da necessidade humana em se viver abraçados e que em nossa história, passa por diversos formatos. O iRev. Ivan Lins, poetizou:


Sempre viveram no mesmo barco, Foram farinha do mesmo saco
Da mesma marinha, da mesma rainha, Sob a mesma bandeira
Tremulando no mastro, E assim foram seguindo os astros
Cortaram as amarras e os nós, Deixando pra trás o porto e o cais
Berrando até perder a voz, Em busca do imenso, Do silêncio mais intenso
Que está depois dos temporais, E assim foram seguindo em frente
Fazendo amor pelos sete mares, Inchando a água de alga e peixe
Seguindo os ventos, As marés e as correntes, O caminho dos golfinhos
A trilha das baleias, E não havia arrecifes, Nem bancos de areia
Nem temores, nem mais dores, Não havia cansaço
Só havia, só havia azul e espaço.


Que instituição pode ser melhor do que essa? E que instituição pode existir além desta? É aí que habita o problema.
Depois que o mestre Jesus ressucitou, passamos a ter problemas de jurisdição espiritual onde o Homem começou a geografizar Deus dentro do seu arraial, determinar algumas coisas e autenticar os seus aderentes como “os salvos”. Li recentemente, no site do Ed René Kivitz, um texto de Paulo Brabo comentando sobre o episódio inicial do livro dos atos dos apóstolos que ao serem advertidos a esperarem a “descida do Espírito Santo”, Pedrão se precipita e começa a “igrejar” escolhendo, numa assembléia, Matias (especulam-se ele, Matias, ser um dos pais dos cristãos esotéricos) para substituir o suicida Judas. Bem, além da escolha precipitada, Brabo faz um delicioso comentário a cerca desta votação:


Que o evento está colocado no relato de modo a contrastar com a recente votação orquestrada por Pedro não deve haver nenhuma dúvida. Pois a iniciativa de Pedro é, no fim das contas, elitista e institucional; o derramamento do espírito é universal e democrático (para não dizer socialista ou, ainda melhor, anárquico). A votação de Pedro, de iniciativa humana, é delimitadora, fazendo apenas confirmar e legitimar as categorias pré-estabelecidas; o derramar do Pentecostes, de iniciativa de Cristo, é igualitário, dissolvendo em sua embaraçosa unanimidade todos os rótulos e categorias. A votação de Pedro é sensata, ordenada e ordeira, mas nada realmente produz; o derramamento do espírito é loucura e vento e ruído e caos e, nisto, todos se entendem e todos serão transformados. De um universo de muitos, a eleição de Pedro peneira dois e premia finalmente um. O espírito escolhe todos e sobre todos reparte a sua honra. A votação de Pedro é manobra de exclusão, enquanto o sopro do espírito é abraço todo-inclusivo; mesmo os “de fora” são inequivocamente tocados pelo milagre (”ouvimos falar das grandezas de Deus em nossas próprias línguas”), e num instante estarão incluídos nele.


E pelas costuras desta igreja primitiva, sob o teto de erros e acertos (lembrei-me até de um episódio onde Paulo repreende Pedro em público, devido a algumas atitudes elitistas dele. Ver gálatas 2), o ser humano foi se inserindo de instituição em instituição. A verdade é aquela que todos nós sabemos. Nesta de nos instituir, erigimos os nossos pecados como sistema. Alguns deles são bem comuns entre nós: egoísmo, arrogância, controle e perversidade, causando as maiores aberrações evangélicas (assista 10 minutos o programa do auto-representante da igreja evangélica no Brasil: pr. Silas Malafaia.). E o título “igreja evangélica” está cada vez mais atrelado a esse segmento conceitual, doutrinário, dogmático, litúrgico, de forma apelativa, frígida, voltada ao bem-estar da acomodação e apresentação de um culto-show que agrade os fiéis transformados em públicos.


E é por isso que a palavra “instituição” se sinonimizou numa grande construção: uma segunda Babel, que se confina em erigir uma torre feita com blocos de presunção – desde a ascensão do mestre Jesus. Porém, nenhum formato de instituição, que foge desta grande rede evangélica, está isenta deste pecado. Quando arrastamos a amargura religiosa travestida de “boa-nova sem mácula” aos pequenos circuitos de graça e amor, podemos não nos dar conta que podemos contaminar qualquer pessoa ou local, restando apenas, a inauguração de mais uma instituição alternativa de asseclas e gurus. A boa instituição é aquela que dá continuidade a mensagem de Jesus sem se render ao letrismo, sem injetar rancor aos irmãos de outras instituições, sem barganhar o imbarganhável, sem se julgar o único portador da boa mensagem e sem cruzar os braços ao necessitado e ao não-necessitado.


(...)quero voltar a ter um olhar puro e um coração paciente,
preciso reconhecer-me como o abraço gentil que traz alívio
ao doente, nasci para compreender os excluídos e desprezar
banalidades, fui chamado para ter misericórdia, doar a graça
e caminhar sobre a verdade(...) Thiago Grulha


A boa instituição é aquela que diz que a única escalada rumo a algum ponto do apogeu existencial, é a escalada para chegar ao melhor de si, para que Deus se achegue e habite em cada ser. Quem quer se chegar a Deus, apenas abra a porta. E que cada suor derramado, não seja para encontrar Deus, mas que seja para encontrar-se, reverencialmente, de cabeça inclinada, pois a maior distância que temos dificuldade em atingir, é a distância entre nós e nós, entre nós e o arrependimento, entre nós é a rendição, entre nós e a gratidão. A boa instituição é aquela que tece compreensão ao invés de assolação, simplicidade ao invés de complexidade, humildade ao invés de orgulho, idéias ao invés de estratégias. A boa instituição não é aquela em que o líder arroga dos seus companheiros e cooperadores, para fundir um império. A boa instituição não deve dar luz a asseclas para defender seus gurus quando são injustos, despóticos, radicais e arrogantes.


"O fanatismo é a única forma de força de
vontade acessível aos fracos." Friedrich Nietzsche




A boa instituição é aquela que não adora o seu pastor por ser dotado de inteligência, pois bagagem intelectual não é sabedoria a menos que preste serviço a ela. A boa instituição não precisa vencer disputa teológica e não precisa convencer a todos que sua linha teológica é o cordão umbilical entre Deus e o Homem, porque ela nunca será. A boa instituição não precisa ter um indicativo apelativo. Não precisa de outdoor e de horário nobre na televisão. A boa instituição não precisa gritar que está certa, pois quem vence no grito é porque não precisa de cérebro. A boa instituição não se apressa em nada, pois o reino de Deus tem toda a eternidade para oferecer liberdade e descanso. A boa instituição vê a Deus na vida, diferente da má instituição que programa liturgias e apresentações para que Deus seja visto liturgicamente. A boa instituição não entre em conflito com questiúnculas, porém entende que até as minúsculas coisas devem ser vista com respeito e responsabilidade.


Sim Senhor, nós queremos nos tornar sal
diluído na vida e desaparecer de modo
que ninguém nos veja, mas,
sintam o sabor do tempero que o
Evangelho é no chão da vida. Carlos Bregantim


A boa instituição é aquela que entende que não comporta todos os filhos de Deus, porém reconhecem os “filhos da paz” nos quatro cantos da Terra. A boa instituição é aquela que entende que ela não é fábrica dos filhos de Deus, apenas reúnem alguns. A boa instituição sabe que para “amar o mundo e ser do mundo”, não é um problema geográfico, mas um estado interior, onde não é a localidade que define o que se é ou o que se não é, muito menos a aparência, freqüência e formas lingüísticas. A boa instituição não faz acepção de pessoas. Repito: não faz acepção de pessoas. A boa instituição pode acontecer numa família, num encontro de universitários numa sala de aula ou numa mesa de bar.


A boa instituição poder ser a igreja tal, como também pode acontecer apenas com uma parte igreja, com um determinado grupo dela, num horário de ensaio, numa sala pequena da igreja e fora do culto dominical. A boa instituição é orgânica, e a mecanicidade, aparatos, aparelhos, apresentações, apenas estão para assessorar e servir toda a organicidade vital dela. Na boa instituição, comumente se ouve a voz e sente a brisa do Espírito Santo pairando como no Dia do Pentecostes. E o ponto pé inicial é dado por ele, sem Pedros e sem Matias para colocar as carroças a frente dos bois. Que possamos ressuscitar em Deus, ao invés de morrermos em nome de fulano e beltrano. Que possamos falar mais do Evangelho, e menos do mundo evangélico.


Ninguém anuncia toda a verdade, obstinado a desmantelar o que está errado no mundo. É preciso anunciar toda a verdade para que o erro seja desmantelado naturalmente. Cristo não instituiu os demolidores do Caminho, Deus inspirou amantes da vida, dos vivos e do criador. Desmantelar erro em nome do Evangelho é viver separando joio do trigo. - É ideologia. Anunciar a “Verdade e a Vida” é anunciar a todos que um dia o trigo se eternizará. - É vida abundante. Quem for sábio, que enxergue a tênue, porém crucial diferença entre as essas mensagens.


Abraços!

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