Nota de Falecimento

Ela morreu, bem velhinha, irmã Maria, assim conhecida, com seus cabelos cumpridos, seus vestidos batidos, sua língua ponderada, suas mãos calejadas, suas havaianas judiadas. A irmã Maria foi a última das Marias que cantando um hino, distribuindo “deus-abençoes”, recolhendo petições de orações, deixando folhetos em bares, encantou muitas pessoas. Na terça-feira, pela manhã, lá vai ela, ouvindo as queixas das gueixas; ao pedinte, deixa um pão com manteiga; sem pressa, sem medo, sem interesse. Irmã Maria passa recolhendo momentos ate chegar ao seu destino: “a oração matutina” da igreja fulana. Irmã Maria ora muito de joelho. Não teologa e nem reclama.

Ora ora com riso na face, ora ora aos prantos, sem palavras, apenas gemendo e dizendo, segundo seu entendimento, “glória...glória...glória”, “tenha misericórdia, Jesus”. Irmã Maria tem visões e sonhos e as entregam com sabedoria, amor e ousadia. Irmã Maria convida o pastor e a pastora para tomar café. Irmã Maria aproveita a visita do pastor em sua casa e convida os vizinhos para ouvir uma mensagem. Irmã Maria não obriga a nada e de nada se aproveita para conseguir uma adesão religiosa. Irmã Maria se prontifica para limpar a igreja. Irmã Maria cozinha muito bem! Irmã Maria adora a festa de casamento! Irmã Maria é simples e canta almejando o “retorno do papai celestial”. Enquanto ela anseia o céu, o arrebatamento, a grande ceia, “o grande dia”, sua vida vai se angelicando para si e para todos que a conhece.
 

Enquanto os pastores pregam: “meus irmãos, parem de ficar pensando só no céu. Jesus quer agir aqui, em vocês e com vocês”, a irmã Maria está a mil anos luz a frente, pois quando ela fala do céu, é porque ela já é uma doce-santa filha usada por Deus. Irmã Maria fala do futuro celeste e do fim dos tempos e enquanto fala, o celeste futuro e o novo tempo, encarnam no seu olhar lacrimejante, no seu gesto, no seu aconchego. Assim é a irmã Maria. Quem a ouve, não vê apocalipcismo ou vontade para ouvir os rangeres de dentes. Quem a ouve, entende que tudo aquilo que ela fala, jaz nela como vida etérea. Não há nela uma conversão interesseira para “morar no céu”.

Irmã Maria fala do céu porque já debandou a fronteira pela fé sem abandonar o chão da vida humana e fala como consolidação de quem ela se tornou desde quando decidiu andar, orar e amar; andar, orar e amar; andar, orar e amar. Irmã Maria não anseia o céu, tanto quanto o céu anseia por ela! Irmã Maria anseia o céu porque o céu fica provocando desejos, carinhos, saudades... É pura intimidade!

Irmã Maria fala do céu não por fuga de sua humanidade, dos problemas ou da irrelevância da ação divina no mundo. Irmã Maria fala do céu porque o céu para ela é o próprio Jesus. É demanda do amor sem muita sistematização e separação das coisas que vem do alto. Só isso! Pura ingenuidade vital!

A Nova Jerusalém, as ruas de ouro, os muros de cristal, a água que jorra incansavelmente, é geografizado de modo pessoal, revelando os mais diversos ambientes de descanso, paz e alegria. Irmã Maria morreu e certamente, você a conheceu. Irmã Maria dizia sempre: “Quando ele voltar...” “Volta Cristo”, “meu filho, Deus abençoe”, Vá com Deus”, “Peça para Ele”, “Estou orando por você”. Irmãs Marias estão indo ao encontro do pai e estão nascendo as Marissintéticas. Essas são frágeis, nada suportam e só suportam se receberem o que querem. Mas isso já é outra história....

As mães Marias eram flores neste jardim de Deus. Elas morreram e em seus enterros, o velho o coral cantou: M A R I A

Tributo a todas boas velhinhas, mães, vovós que estão entre nós e oram por nós! Severina, Débora, Neusa, Celeste, Pedra, Serafina, Edna, Adelina, Cida, Tereza, Sebastiana, Josefa, Josefina, Margarida, Clotilde, Marta, Tânia, Francisca, Creuza, Cleide, Dolores, Jandira, etc. . .

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