O Apocalipse de Joões e Marias





[A revelação do óbvio como xeque mate,
nos fará ansiar amargamente o retrocesso do tempo
para viver aquilo que foi tão evidente, porém inviável.]

Das colinas se ouviram.Do fundo do mar, das costas marítimas, em meio ao inacessível ponto de encontro dos oceanos.Das gargantas das grutas mais virgens do planeta, onde alguns raros peixes se adéquam à ausência de luz solar. Dos arquipélagos e penínsulas mais exóticas e desconhecidas, das matas mais inexploradas do mundo, dos pântanos impenetráveis. Cerrados e veredas não se contiveram. O solo árido secou-se mais e do firmamento terrestre, surdiram os mais diferentes gases das profundezas da Terra. Cordilheiras inteiras tremeram e fenderam-se os vales e as planícies. Cada vislumbre nebuloso, cada matiz acinzentado, cada porção de nuvem carregada e escura, acobertaram como um grande guarda-chuva.

Do céu amarelado pelo sol poente, da noite alastrante, alada e alienante para alguns, da constelação inumerável que perfura o teto da noite. Dos lagos, rios, cachoeiras e cascatas, as águas correram mais rápidas. Das geleiras, dos arrecifes, das encostas. Os igarapés sorriram para as suas margens e curvas. O magma incandesceu-se mais e com toda a sua elevada temperatura, explodiu o mais alto possível para alcançar as estrelas. Arco-íris, estrelas cadentes e objetos não identificados imprimiram um selo atestador.

Toda fauna e flora viram e ouviram e apenas com um suspiro leve, autenticaram o escatológico momento, sem totens e sem protocolos. A cadeia alimentar entrou em quarentena com total reverência diante daquele que, um dia, deu o start para todo processo orgânico e inorgânico contar a sua própria história. O vento sul e o vento norte assobiaram a última canção, canção esta, que trás consigo, a poesia da vida, da evolução, do processo, da metamorfose e da conseqüência. Da garoa fina à chuva torrencial, dos furacões e maremotos, dos terremotos, das inundações, das erupções. Das terras submersas, dos berços das ossadas milenares, das ruínas de grandes civilizações, dos resquícios de riquezas perdidas nas entranhas mais obscuras da Terra. Das marcas indatáveis, gravuras perdidas, dos artesanatos e construções inexplicáveis, das escrituras de eras geológicas, tudo dizia, tudo falava, tudo mostrava.

Eu não vi e nem ouvi. Tudo que existe, viu e me apontou. Eu me fiz indiferente. Tudo dependia dele como se “ele” fosse a chave de ignição e cognitiva. Eu me fiz surdo. Vi-me dentro deste enorme planeta, sendo o único cego em relação à placa indicativa do sentido da vida. Um ser tão minúsculo como eu, não querendo ver aquilo que até um peixe viu, não querendo ver aquilo que fez com que as águas corressem sem barganhar, não querendo ver aquilo que fez com que todos os picos do mundo apontassem para cima, faz-me sentir um ser totalmente inexistente ou a caminho de inexistir. Como um ser como eu, que não tem domínio nenhum sobre o acaso e sobre os dias de vida, pude ignorar aquilo que é tão evidente em toda natureza? Ignorei tudo o que existe em volta de mim e que era o oráculo natural da criação, para viver pro meu mundinho, meu umbigo, meu prazer.

O meu planeta era desnecessário a mim como algo revelador e eu apenas fazia dele, uma terra para extração daquilo que me convinha, para meu usufruto. Todo planeta, com suas riquezas, não me fazia refletir e em nada servia para formar meus silogismos a cerca da vida. Diante deste vasto mundo de riquezas minerais e vegetais, nada me fazia tremer diante do poderio delas. E assim vivi como se pudesse viver indiferente de toda a natureza. Sem reverência, sem encanto, sem respeito e sem abnegação. Ignorei uma grande profetiza e mais que isso, ignorei àquela que existe para me dar existência através do equilíbrio. Agora, é tarde demais. Ele voltou e todos aqueles que estavam esperando e reverenciando ardentemente, foram recebidos por ele.

A grande catarse se iniciou. Uma nova era sobrepujou a minha realidade independente do que eu sistematizei. Meus planos foram arrasados. Aquilo que engendrei com minha vaidade e petulância se esvaiu. Quis ser o dono da historia da minha vida e um emulador do mundo em minha volta. Coitado de mim! Nem me toquei que me tornei um ser descartável e perambulante!
Diante meus olhos, a Terra explodiu ao som da sua voz. Toda a natureza se levantou como um grande aliado divino, metamorfoseando-se ao se confrontar com aquela voz, imprimindo uma realidade ambiental àquilo que lhe era ouvido. A realidade estava se moldando a cada som que se escutara. Som vivo que se configurava em ambiência!

Me pergunto por que eu vivi desdenhando os céus e a Terra e questionando Deus pelas tragédias, maldades e sofrimentos? Por que eu não fiz como as formigas, que ao invés de discutir o porquê delas serem alvos de “predadores terríveis” ou o porquê delas serem tão frágeis, apenas procuraram estocar alimentos, viver unidas e em abrigos seguros?

Elas viveram muito bem enquanto existiram e a única medida tomada por elas, era sobreviver. Hoje, com minhas cãs sofridas, vejo como perdi tempo e como perdi a fé por causa de indagações tolas quem nem formigas indagariam. Além disso, vivi tão alienado da trivialidade relacional da vida, que o mundo passou em minha janela e eu só o via em forma de espelho. Tudo era eu e eu estava em tudo. Meus últimos suspiros são orações pedindo uma oportunidade em voltar no tempo e me tornar apenas uma formiga e então isso já me seria suficiente para ser um ser sábio e feliz. Só queria voltar ao tempo para olhar para o céu, como meus olhos cheios de lágrimas e agradecer a Deus pela vida, com todos os seus pesares. Gostaria de trocar a minha vida cheia de presunção e cegueira, por uma vida ainda que raquítica, cheia de chagas, mas com o coração puro, liberto e cheio de esperança e fé.

Com pesar,
Joões e Marias.

A revelação do óbvio como xeque mate, nos fará ansiar amargamente o retrocesso do tempo para viver aquilo que foi tão evidente, porém inviável.


“E as coisas que eu sei que ele dirá, fará,
não sei dizer, assim, de um modo explícito
E aquilo que nesse momento se revelará aos povos
Surpreenderá a todos, não por ser exótico
Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto
Quando terá sido o óbvio”
Caetano Veloso

A revelação do óbvio como xeque mate, nos fará ansiar amargamente o retrocesso do tempo para viver aquilo que foi tão evidente, porém inviável.

Nada que é crucial, está oculto.

Haverá um dia em que nós seremos julgados por ignorarmos as coisas mais simples e essenciais da vida e rangeremos nossos dentes por saber que era tão simples e congruente alguém viver e ser semelhante ao Filho do Homem, mas por causa da nossa auto-cegueira, negligenciamos a vida e todo os oráculos naturais que irrompe num simples respirar ou num raio de luz em nossa face.



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