Salathiel, o saci nórdico


Salathiel, o saci nórdico
Uma história de superação e resistência – primeiro melodrama nórdico-brasileiro
 
Herói 1: Salathiel, o Demolidor
Herói 2: Thiago, o Cabelo
Herói 3: Moisés, o Moisés

Os três corajosos tinham de cumprir o não tão longo trajeto de 11 km (ida) + 11 km (volta) de bicicleta. Uma ciclovia sinuosa e íngreme. Aos três amigos, um exercício de resistência e uma terapia ao céu aberto em média velocidade, sob uma noite regida pela lua, despida em seu berço ébano. A metade do trajeto foi cumprida. Exaustos, fatigados, descansaram um pouco - um curto hiato de glória - já se colocando ao caminho do retorno; mais 11 km que sempre se torna mais difícil por causa do cansaço.

Quando os três começaram dar as primeiras pedaladas, o pedal direito da bicicleta do Salathiel se parte. Os três param, olham bem para admitir o que aconteceu e começam olhar para os lados como se a resolução do problema estivesse escondida em algum lugar. Olhos e rostos suados se cruzam, se questionando: “E agora, José?”. O dilema estava posto. Podia-se dar um jeitinho? Emendar? Amarrar? Nada. Tentaram pensar em alguma coisa e nada. O jeito era apenas se questionar: “E agora?” sem pensar na hipótese de desistir do trajeto de volta.

Salathiel, como é de conhecimento de seus amigos, é um jovem muito obstinado e corajoso. Não poucas vezes é cabeça dura, cabeça esta que paradoxalmente, comporta inteligência, resiliência e obstinação. Deu os primeiros passos, movimentando a bicicleta apenas com o pé esquerdo, mas sem muito sucesso, pois sem o pedal da direita não conseguia manter o movimento para fazer a bicicleta andar. Tentou se apoiar na barra onde prendia o pedal para movimentar-se, mas também não conseguia muito resultado, muito menos conseguiria encarar os 11 km a frente.

O jovem não desistia. Foi-lhe proposto desistir, mas ele não tinha isso como alternativa. Salathiel se arrastava enquanto os outros dois o acompanhavam logo atrás, olhando o esforço do jovem.  Os dois então se aproximaram e começaram a se revezar nos empurrões nas costas do jovem corajoso. Um empurrava, depois outro vinha e empurrava mais um pouco até que o Salathiel teve a ideia de amarrar o seu pé no pedal esquerdo, fazendo com que facilitasse a movimentação de girar o pedal. Pararam os três e um dos amigos do jovem tirou o cadarço para ajudar na engenhoca.

Deste modo, o Salathiel se sentiu mais seguro para continuar em sua peregrinação. Pedalava um pouco e era empurrado pelos amigos. Os esforços dos amigos, ao empurrar, os deixavam cansados, porém o esforço descomunal do Salathiel era, obviamente, bem maior. Ninguém pensava, ao certo, se os 11 km seriam cumpridos. Simplesmente era feito aquilo que precisava ser feito no momento. Os amigos olhavam para o amigo cansado e dizia “e aí, dá para continuar?”, “vamos, força”. A força que ele tinha de fazer para movimentar a bicicleta apenas com o pedal esquerdo, enfrentando subidas, parecia ser totalmente insuficiente para percorrer 11 km. Fazer o percurso com os dois pedais já era cansativo, imagine com um pedal só...

Os amigos olhavam para ele, em silêncio, desgastados pela teimosia em prosseguir e via um jovem que não se entregava. Em um momento ele sussurrou: “não dá mais”. Resolveram parar e descansar alguns minutos. Retomaram o percurso pela iniciativa do Salathiel, que sempre saia na frente com uma força marcada pela exaustão e dor, enquanto seus fiéis escudeiros faziam a escolta. O jovem, nos altos picos de esgotamento, não aceitava mais ajuda. Toda a concentração se restringia em suspender o pedal esquerdo e pisa-lo para baixo. Os amigos começavam a cantar e a bradar o seu nome. Uma sinergia foi estabelecida naquela noite.  

Num outro momento, enquanto todos caminhavam solenemente, o squeeze da bicicleta do jovem guerreiro cai no chão, sendo “atropelado” pelo pneu traseiro. Ele mesmo olha para trás, desesperado, e diz: “ainda bem que não foi a minha perna que caiu”. Ao cair a ficha do que ele tinha dito, os três param e caem na gargalhada sem fim. Uma gargalhada que não só ri do que foi dito, mas que funciona como válvula de escape daqueles momentos tensos e cansativos. Dizem as tradições arcaicas, que gargalhadas incontroladas são cócegas de deuses que querem aliviar os seus súditos do sofrimento...

A peregrinação faz com que os três percam a noção do quanto eles já percorreram e o quanto faltam. Salathiel se rastejava em sua bicicleta, o seu cavalo mitológico, como um errante do deserto.  Não reclamava mais e apenas soltava risos fúnebres do seu drama, cortado por suores de coragem. Após algum tempo, um dos seus amigos grita: “terra à vista!”. O ponto de largada é avistado como um oásis, um troféu ao jovem Salathis, como é chamado por alguns. Não se tratava de uma miragem. O jovem percorreu 11 km da ciclovia sinuosa e desgastante apenas com sua perna esquerda.

No fim do percurso de volta, os três foram presenteados com um declive de 500 metros. Então o céu escuro se abre como uma cortina de teatro, atravessando numa velocidade estonteante, Odin, em seu pé-de-pano mitológico, arrebatando os três para um mundo paralelo ao som de “Gonna fly now”.  Lá, eles foram imortalizados e o jovem paladino reinou durante toda a sua geração, onde o selo da paz e da harmonia foi estabelecido.

Para deixar um recado ao jovem demolidor, este é o perfil do Salathiel no Facebook. Você pode deixar um recado no blog Mera Palavra. 

O PEDAL QUEBRADO
O TÊNIS SEM CADARÇO
SALATHIEL, O DEMOLIDOR

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