A vida dos mortos



A milenar tradição judaica narra a comunicação entre um vivo e um morto: Saul e Samuel. A história é bem conhecida, adaptada para não admitir o fato ou defendida para garimpar o “mundo dos mortos”. Produções cinematográficas americanas sempre criaram filmes onde os mortos, mandam recados ou ressuscitam (parcialmente, no caso do zumbi) para o nosso medo e terror.

Imagine como deve ser o mundo dos mortos... Sombrio? Mortos andando de um lado para o outro sob uma nuvem escura cortada por relâmpagos e por fortes chuvas? Ou um lugar florido e cheio de gente feliz como no condado dos hobbits? Será que a história de um portal entre a vida e a morte é transitável?

Não quero transformar este texto em um debate teológico-espírita-cristã. Quero apenas fazer uma ponte imaginativa que liga a vida e a morte. Uma ponte que dê margens para especulações em relação aos anseios, experiências e mitos sobre a possibilidade de vida depois da morte.

Um lugar enorme para abrigar todos os mortos. Hoje temos 7 bilhões de seres humanos vivos? Ok. Quantos seres humanos já morreram até o dia de hoje? Trilhões? Quatrilhões? Já chegou ao quintilhão? Talvez sextilhão? Bem, o mundo dos mortos é inimaginavelmente, mais populoso que o mundo dos vivos. Existem quantos mortos por metro quadrado? Tem algum controle? “Hoje só podem morrer 10.000 no planeta dos vivos, a fim de conter o inchaço por aqui...”

Será que estamos apenas na lista de espera? Um planejamento de expansão, uma infra-estrutura melhor, projetada por governos do além, pode abrir mais covas assentamentos... Já pensou nisso? Sua convocação pode sair a qualquer momento...

O caos deve ser a rotina deste lugar. Vigesilhões de errantes alimentando-se de lembranças, eternizando suas culpas e suas mentiras. As máscaras caindo e mostrando a face desfigurada pelo cansaço, traição e fadiga. Ou não. Um lugar ordeiro, com passarinhos cantores ressurgidos das cinzas, árvores frondosas e um sol que “nunca se apaga”.

Será que a vida não passa de um momento que precede o nada ou será que haveremos de romper a morte? Onde está teu pai? E a tua mãe ou quem sabe, um filho? Ele se foram ou apenas se desintegraram? A existência caminha para o outro lado da cortina, que de tão bem escura, divide opiniões e percepções. Para alguns, a cortina, de tempo em tempo, se abre para um pequeno vislumbre. Nada comprovado. Percepções que nos deixam perplexos e apequenados. Para outros, o nada é tão certo, chegando a secar as esperanças e as perspectivas.

Nós só sabemos que iremos morrer um dia porque alguém nos contou. Nós só sabemos que iremos pro céu ou inferno porque um dia alguém nos contou. Nós só sabemos que iremos nos desintegrar porque alguém um dia nos contou. Ou seja, não sabemos de nada. Só sei que Saul tirou Samuel de sua rede preguiçosa no além. Isso não é saber nada tanto quanto é saber tudo. Um dia eu tirarei a prova real e volto para contar a vocês nem que seja num borro de uma janela, ao lado do borro na Nossa Senhora Aparecida.

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