Elizabeth, a rainha do mundo inimaginável

O blog completa 5 anos. Muita alegria e muito prazer pelos mais de 100 textos. Esta é "a edição comemorativa"!

A eternidade se chamava Elizabeth, já a existência, chamava-se Guto. Eliza era a mãe de Guto. Um mistério afanoso para a compreensão foi marcado no nascimento dele, sem a menor chance de verificação clara. Dizem que o parto foi, sismicamente, inimaginado. A partir do parto, o tempo nasceu; Guto, o garoto datável.


Tudo tem uma data. Tudo que nasce tem uma madre histórica; antecedente, parentesco. Ora, eu nasci no século passado, meus pais também, meus avós também, já meus bisavós, nasceram há dois séculos. Assim, vamos montando o cenário, datas, períodos, história, geração, tempo, e etc., palavras que vão ganhando dimensão e lógica neste ínterim.


Guto nasceu de um útero-sem-tempo, ou seja, sem passado, sem um histórico. Misterioso e complicado de entender. Eliza vivia¹ na ausência do tempo, pois o tempo era o seu filho que iria nascer num momento específico. Qual foi o dia que Guto nasceu? Podemos até descobrir, mas não podemos saber o que existia antes do nascimento, pois como podemos examinar algo sem espaço de tempo? Como? A lógica é: não houve nada antes do tempo, de seu nascimento, pois se houvesse um “dia anterior” ao nascimento, ora, o tempo já se faria existido!
¹Vivia ou vive? Pra viver não é preciso existir? Pra existir, não é preciso compreender-se naquilo que chamamos de tempo?

Tudo fica mais fácil a partir de Guto. Em Guto, o senhor tempo, todas as coisas vão acontecendo gradativamente, fazendo história, desenhando formas e estabelecendo suas próprias leis de ciclos e permanências. O Guto dá sentido ao que conhecemos como “passado, presente e futuro”. O futuro², até então inexistente, vira passado em questões de nanos-segundos, numa simetria inusitada às suas proles frágeis, que as torna aparentes expectadoras e aparentes vítimas do acaso, independente das projeções e das impassividades. Sobretudo, tudo fica às claras, datáveis e vira história.
²O futuro é o fajuto “inexistente”, tão próximo do presente, enquanto já flerta com o passado.

A mãe, inconcebida mulher! Dá-nos nó. Uma mulher que se impõe sem um útero que lhe tenha parido, sem um teto que denote um lugar, uma ambiência, uma realidade (ao menos, paralela) e pra piorar, se diz habitar “fora do tempo”, pois o tempo é seu filho concebido num dado momento... Só pode ser brincadeira... “fora do tempo”? Como alguém pode se definir sem que não tenha passado, presente e futuro? Como um ser deste porte, pode ter legado e grandiosidade? Sem tempo, como um ser pode amar e se relacionar com seu filho? Pobre Guto, ter uma mãe dessas não é pra qualquer um.


Onde quer que ela viva e como vive, e em quais circunstâncias, não dá pra entender. Talvez seja parecido como algo que chamamos de “instante³”. O mundo dela é ali, no estalar de dedos. Aliás, ela é o próprio estalar incognoscível, é uma nota que toca, mas que não tem relação com duração (não cabe em pautas), apenas com intensidade. Ela vibra, se faz presente e ainda dá origem ao Guto que vive sua infinita vida dentro de uma história. Eliza contempla o que cria sem a gradualidade das coisas. As coisas que surgem como composição do Guto, que demandam vetores para nascer, crescer, aprender, errar, envelhecer, reciclar, morrer e originar outros seres de vida, são tão ínfimos a ela quanto os ecos do silêncio súbito.
³Instante, que não é o nosso instante, pois o nosso, é apenas um momento entre outros momentos, sendo Eliza, um instante de momento ímpar, que não arranja espaço e nem tempo para outro instante, se auto-velando e auto-reclamando uma loucura para além das dimensões, das paredes, dos portais, dos buracos, dos eons, dos vácuos...

A grandeza da mãe faz explodir o nascimento de Guto, concomitantemente com sua expiração. Os lírios liberam suas fragrâncias para Eliza no exato momento em que acontecem todos os momentos. As cores irrompem e fenecem, os madrigais dos pássaros ecoam no momento em que tudo ecoa e nada fica para a posteridade. Eliza vê o belo quadro, enquanto vemos da janela da locomotiva. Ela beija o Guto enquanto ele vai percebendo aos poucos. Uma mistura de simultaneidade com gradualidade que não se choca; ao mesmo tempo em que não se compreende. Que não se vê; ao mesmo tempo em que não se descarta. Que não de admite; ao mesmo tempo em que não se livra.


A mãe ama seu filho sem ser submetida a processos, porém se existencializa a fim de ser reconhecida por seu filho. Guto gera filhos que não entendem que sua vida é uma versão existencial, visto que, do ponto-de-vista de sua mãe, a vida só se existencializa para que o próprio Homem conheça a si mesmo, Homem sendo filho do Guto, filho do tempo, filho da vida esticada, a fim de que se vire uma consciência encarnada em cada ser vivo, altamente responsável por aquilo que se é do ponto-de-vista e da realidade de sua mãe: um filho criado para conhecer a si mesmo e para dar razão a ela, enquanto se ganha sentido no curso da vida. É a vida sendo existencializada para contar sobre a vida ao seu próprio dono. No fim das contas, Eliza dá luz a Guto para que ele desenhe quem somos nós e o modo que decidimos viver.

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