Taiguara |
Assim cantou o
uruguaio Taiguara: “Eu desisto, não existe essa manhã que eu perseguia, um
lugar que me dê trégua ou me sorria, e uma gente que não viva só pra si. Só
encontro gente amarga mergulhada no passado, procurando repartir seu mundo errado,
nessa vida sem amor que eu aprendi.”
Ele ainda
continua: “por uns velhos vãos motivos, somos cegos e cativos no deserto do
universo sem amor”.
Nessas poucas
palavras, ele define o mundo real em que fazemos parte. A exceção dos sensatos,
como eu creio que exista e que tenta não “repartir seu mundo errado”, se
confunde no meio da aglomeração dos insensatos.
Subtraindo a
“exceção dos sensatos”, minha visão do mundo em que vivemos restringe o Homem
sob cinco perspectivas: o ególatra, que só se importa com o próximo quando
depende do próximo para tirar algum proveito; o misantropo, que não
necessariamente é um egoísta, mas trata a todos com aversão porque culpa todo o
mundo externo por suas queixas interiores; a cobaia, que apenas existe para
aperfeiçoar e manter uma engrenagem que o torna alienado; o degradado, que por
motivos variados se apresenta como perigo a sociedade; o ignorante, que
concorda com quem grita mais e vende a sua alma para que alguém determine a sua
opinião, o seu gosto e a sua trajetória.
Acho que o mundo
não entrou em colapso definitivo porque, mesmo a despeito do tipo de Homem que
impera, a resistência da sensatez é visível. O homem mal e o sistema mal têm
sustos de sensatez que se auto regula e mantém as coisas em ordem (veja
Brasília, por exemplo, não são os bons políticos que salvam a pátria, mas sim
os bons e os maus políticos que, por sua vez, tentam manter a reputação e saúde
pública).
Isso se chama
cinismo. É o cinismo que faz o bem e que move o mundo. Quando o esgoto está
fétido, jogam-se litros de desinfetante para contornar a situação. Por isso não
acho que megatons de corrupção humana nos levará ao cume do descaso e
hipocrisia, pois há sempre um equilíbrio do inferno que atenua o grau de
perversão, impedindo que se instale o caos irrecuperável. A metástase é
articuladamente bem controlada. O cume, que seria a extinção do Homem, como
catarse do ser vivo, talvez não aconteça, para decepção do sonho de alguns.
Digo “equilíbrio
do inferno” porque acredito que este equilíbrio não se sustente de modo bonito.
Só os ingênuos acreditam que existe uma luta do bem e do mal, dispostamente bem
polarizadas. Não. Há uma dualidade entre forças do Homem ambíguo. Aqui na Terra
não existe anjos e demônios, existem seres híbridos que chegam num consenso,
com conchavos. Assim, algo positivo pode ser visto à custa de interesses.
E assim vai
nascendo o filho desta megera, com cara de liberdade, do útero que tenta ser um
campo de lavanda ou de girassóis.
Não sou
pessimista. Sou um abismado. Sinto-me num campo destruído com o Homem cultuando
sua rosa de Hiroshima. Inebriante cheiro de cinismo enquanto crianças brincam
de quebra cabeça com esqueletos humanos.
Apesar de olhar
para a janela e ver todas essas coisas, não me vejo pessimista. Pessimismo não
é ver algo ruim, pessimismo é prever
algo ruim sob uma ótica: eu desisto.
Pessimismo não é ver a casa pegando fogo. Pessimismo é se atirar da janela
porque sentiu o cheiro da fumaça.
Acredito que a
“exceção dos sensatos”, obviamente, não gerará revolução. A exceção surge no
anonimato e fica por ali. Ainda que isso ganhe certa repercussão, a exceção não
irá muito longe; jamais deixará de ser exceção para ser predominante. Esta
exceção cumpre um papel muito importante, mas logo sai de cena, pois para cada
gesto de amor, surge uma gestão má que não permitirá que tal gesto se torne uma
gestão. Mas o gesto, mesmo apesar de não democratizar o amor, pode salvar
alguém e por isso vale a pena. Se não for possível democratizar o amor, que se
ame apenas.
Quando se expira
uma contingência da “exceção dos sensatos”, surgem outros. Eis um milagre.
Assim o mundo de
Taiguara foi salvo. Enquanto o mundo se entregava ao mal, Taiguara se entregara
a metáfora do fio de escarlate de sua amante, como redenção e vida: “Vem
comigo, meu pedaço de universo é no teu corpo, eu te abraço, corpo imerso no
teu corpo, e em teus braços se unem versos a canção. Em que eu digo, que estou
morto pra esse triste mundo antigo, que meu porto, meu destino, meu abrigo, são
teu corpo amante, amigo, em minhas mãos”.
Coloque seu coração naquilo que
vale a pena e não desista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário