O bem que eu não quero fazer, faço

Quando um infeliz me diz que conhece alguém com uma alma angelical, eu me precipito em concluir que é mentira – conhece-se um lado da moeda...
É óbvio que um lado da moeda, na grande maioria, a torna suportável e até agradável para se relacionar – admiramos uma parte (“um lado da moeda”) como se fosse um todo. Não existe novidade nisso. Somos o que somos e ser o que se é não se dá através dum conjunto de angelicalismos. Quem acredita que existe a possibilidade de alguém se tornar um anjo encarnado, está afirmando que existem pessoas melhores entre si e existe mesmo, desde que se considere isso de modo relativo, pois não acredito que existam pessoas melhores só porque fulano pratica mais o bem do que outra: é melhor quem se contem mais!

Se existe um anjo, este existe porque ele se refreia para não viver totalmente para si, para os seus. Quando fazemos um bem, quando somos inclinados a praticar o bem, na verdade, somos impulsionados, por “agentes externos”, a desobedecer aos nossos próprios instintos. Desde crianças somos ensinados a respeitar e fazer o bem. Uns aprendem isso, outros se traumatizam e fazem o oposto, como se precisássemos do trauma para cometer o oposto.
É com esses moldes que nós vamos sociabilizando uns aos outros, democratizando, unanimemente, o que temos de pior e pincelando o que temos de melhor. Não existe bom mocinho que salva o mundo do seu oposto-opositor. O que existe é algo nem um pouco cinematográfico/hollywoodiano. Somos o inferno de nós mesmos e quando digo isso, por favor, não entenda outra coisa que não seja mentira, interesse, covardia, ingratidão, traição, vantagem, oportunismo, ganância, disputa, ostentação e controle.

Nossa única virtude é a capacidade de se indignar com a nossa própria maquinação e dar uns passos para conter-se. Sem se sentir superior àquele que se entrega ao que há de pior no mundo, pois quando alguém tenta ser um pouco melhor e se incha, seria mais honesto ser o imundo de sempre, sem trajes de pureza. Muitos levantam (principalmente na internet) a bandeira do “sou do bem”, “nasci pra amar”, “odeio injustiça”, “não admito piada preconceituosa”, “sou livre e ninguém me engana mais” e etecéteras. Levantam de tal forma que o resplendor da bandeira ofusca o perímetro alheio.

É a supremacia do bem. O bem a qualquer custo. O bem do politicamente correto. O mal é o bem apologético. Este tipo de bem se defende com unhas e dentes. Assola ou assola. Supremacia do bem com intenções sórdidas, levianas, interesseiras. É o bem que sustenta a razão e com a razão, se julga com acidez e ainda, ganha notoriedade pelo suposto bem que se hasteia. Ligue a tevê, pergunte na rua, acesse a internet e veja como tem gente que solta veneno em “defesa do bem”. São os beligerantes do bem: “morte ao Bolsonaro”. 

Quem pratica o bem, não se filia ao partido que promete erradicar os que são preconceituosos. O que há de tão bom que alimenta o ódio contra aquele que se coloca como inimigo dos direitos humanos? Como se não bastasse vivermos num mundo cheio de pessoas más, que torturam, matam e roubam, ainda temos que lidar com os justiceiros tão sanguinários quanto suas caças. Ainda estamos longe de uma consciência pacifista e em hipótese alguma podemos associar esta “moda do bem” com uma nova era do bem.

A intolerância, dos dois lados, sempre são cruéis e injustas. Que possamos encarnar o bem que Jesus ensinou. O bem que não faz mal disfarçado de bem e de amor. O bem que eu não quero fazer, faço. É o bem do auto-domínio, do contentamento e principalmente do respeito e do equilíbrio. Disso, brota as conseqüências, que são os frutos que nascem no próximo. Qualquer bem que não seja isso, me é anátema. Qualquer enxerto de fruto no perímetro alheio, sob motivo de propagação de paz, direitos humanos e justiça social é litígio frio, passivo, porém, execrável.

Talvez esse bem não seja aquele fantasiado por você, aquele heróico. Talvez esse bem não seja o Superman voando em torno da Terra, retrocendo, inoxeravelmente, o tempo e impedindo que os absurdos aconteçam, por causa da força implacável e assoladora do Bem. Talvez esse bem seja muito básico, mas para mim, é o único bem que espero receber e dar. Já está bom demais.
“Quero ver toda a humanidade num só amor e com o mesmo espírito: num mesmo pensamento.” – ditador 
“O mundo perfeito é o mundo sem homens e mulheres vis.” – tirano 
“O mundo só será melhor quando o controle estiver nas mãos dos bons” – despótico 
O que parece ser bom pode ser o pior.

Um comentário:

Ingrid disse...

Por isso adoro vir aqui e degustar. Quase nunca comento mas hj vim dizer que: Seu irmão pode até ser o gênio da família em outras áreas (música, etc.) como vc disse no face, mas o gênio das Palavras ainda é vc! :-)