A Queda da Teogonia Moral


# Tenso Momento I/IV
"Que fruto poder-se-ia amadurecer desde que já não nasça podre e sem utilidade?"


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Não sei.
Eu não acredito que a maioria esteja claramente ciente daquilo que ela reafirma.
Não! Não acredito mesmo!
É muita insolência. É muita incoerência reativa e alarmante.
Isso sim é a revelação do óbvio imoral; libertino. Sacrilégio da beleza do natural; da sã índole! Os teus céus lhe abnegam!
E não me venha com papo de sóror enclausurada – ladainha ambulante em seus trajes negros. O último pedaço de mim, que não foi triturado por vocês é a minha sanidade; pueril, contudo, límpida e livre dessas infâmias!
Detenha suas palavras de morte e as vomite noutro lugar. Lugar este que está empestado de gentes como você e com isso eu não quero lhe ofender, quero lhe recomendar aos que te merecem ouvir e que nunca fenecem pela ausência mínima de sobriedade.
Ébrios e loucos!
***
Caro meu, tuas palavras amputam-me e causam-me grandes nós em meu discurso. Cortas como uma navalha afiada e sem delineios.
Bebes o vinho da ira e aniquilas a complacência. Evitas uma úlcera em tuas entranhas - desde a tua alma a teus secretos órgãos - se praticares a condescendência.
A virilidade de tua consciência, tão lúcida, abstém-te da possibilidade de prevaricação. Tu és pó em carne e osso perfilado por arrogância e trauma.
Certificas teus preceitos contigo mesmo e encerra o teu opróbrio prisma. Falas sem conhecer e reluz como inquestionável. Não me é facultado o direito de praticar a paciência e tolerância ao teu respeito?
Quem lhe dará ouvido a não ser os surdos que não ouvem a verdade sublime?
Arrependa-te e te apresses a deixar o teu berço de remorso e fracasso. Há chance para um velho caído.
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As traças me roerão vivo até que eu sucumba em meu poço de vômito, não obstante, meu túmulo será pleiteado por anjos e demônios.
Quem espera reconhecimento de seus miseráveis semelhantes, espera vento de pó vulcânico.
Você e todo o pandemônio elegem como verdade, as suas próprias iniqüidades com uma pintura frívola de boa intenção e coerência.
Bem, a mim vocês nunca me enganaram. Sinto cheiro de podridão de longe e vocês fedem como ralas imundas onde nem ratos ousam trafegar.
No teu jardim, as flores murcham e o pólen não vinga. Que fruto poder-se-ia amadurecer desde que já não nasça podre e sem utilidade?
Vocês são uma máquina de poluir antros e cantos e não há nada de bom que não seja erigido por uma crosta de sangue e crueldade.
Vocês erguem uma cidade com peles e ossos humanos e dão pão e água aos que serão os próximos sacrificados.
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Ande comigo e verás o quanto estás enganado!
Você constrói um pensamento baseando-se no que outros dizem. A ralé periférica e amargurada.
O que você propõe? Que se derrube tudo e se comece do zero?
Que se desestabilize tudo por conta de seus preceitos? Você garante que tudo será melhor e diferente?
Arcarás com a tragédia caso estejas errado? Darás o sangue para reverter a tua destreza ideológica?
Você é um e acha que sendo um poderá ser a chave para tudo. Quais são teus conselheiros? Quem é seu mentor ideológico?
Acusas-me de ser um monstro e se conforta em achar que és o oposto nutrido por leis que pertence a “República de Platão” com anseios utópicos inimagináveis!
Oh pobre Homem, desgraçado por espontânea vontade. Aquieta-te e reconheça que sendo cabeça, ainda que escolhesse caminhos diferentes, não evitaria a iniqüidade social e política.
Alguém já disse que “há uma perversão específica para qualquer santuário institucionalizado”.
Saia da escória e quem sabe, haja chance para tua alma regurgitante.

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# Tenso Momento II/IV
"Déspota de teu próprio seio, assim falam de ti nas praças, as ágoras do povo."


Gargalho ante o teu limite de raciocínio. Com esmero, tu afirmas que algo que seja feito de forma diferente, está fadado ao fracasso também.
Esmero pífio e injurioso ao ponto-de-vista alheio!
Em suas palavras, tu assumes que és um suíno iníquo e que fazer conchavos macabros é inevitável. Estás indo bem, já reconheces a desnaturalidade e porquidão, só falta dar a devida proporcionalidade, haja vista que não se trata só de conchavos, trata-se de ferramenta e linguagem padronizada e que inaugura o processo e viabiliza o modus operandi a todos e em todo o momento.
Não me dou o direito de estabelecer vias diferentes como salvação do mundo, apenas eu encaro a tua monstruosidade como inaceitável e perversa.
Não te afronto com outra ideologia, lhe esfrego a tua em tua face sebosa. Aquela que cujos falos, penetram sem amor nas frestas alheias causando irreparáveis marcas e dores. Dando cabo a poesia e instaurando os regimentos.

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Inepto transeunte.
Presto-lhe o favor de deixar-lhe a vontade para me achincalhares e tu não aproveitas para ser sóbrio e superior.
Teu fórceps inútil e que usa em mim a fim de extrair a minha razão é um ultraje e grosseiro.
Eu não represento a mim mesmo. Represento e aplico aquilo que é superior a mim.
Ora, todos nós somos insignificantes e ensimesmados, chegamos ao ponto em que tu te encontras. Fiel a si mesmo, porém dissonante de todo o mundo. Aplica-te dose de bom senso e reconheça que eu não sou o teu torturador e assassino. Sou uma parte da engrenagem que como um todo, é bom e ruim, é limpa e imunda, é flexível e rústica.
Versamos as coisas flertando com o ético e o antiético, posto que tudo seja ético ou antiético em cada decisão e momento, em cada situação e em cada prisma. Um olhar sanguinário pode ser um olhar sacrificial para outro.
Se eu represento um conjunto de moral infausto e se sou mantenedor da “Prostituta de Gaia”, nada sou além do ponto onde se converge as coisas más em boas. Em minhas mãos estão as rédeas que geram boas condições de vida para muitos, mesmo a custa de regimentos, crises, cerceamentos e cantos marginais onde estouram as conseqüências cancerosas do processo e que, concomitantemente, geram usufrutos para outras pessoas.

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Milorde, nobre fidalgo, falemos de vossa esposa, de vossa filha, a mais velha, aquele sapo-boi desalmado.
Como conseguistes transformá-las em dois seres desprezíveis? Tu tens vocação para tal. Elas te amam com ódio, se é que me entendes. As traições, as violências, as ausências e as distâncias forjaram-nas nesse tipo de gentes que elas são hoje. Pobres zumbis em seus palácios de rancores, abusos e ostracismos!
Tiveram prestígios, foram laureadas pela burguesia inclemente e austera, amaram Wagner, Bach, Schumann, Mozart e Mendelssohn, apreciaram os melhores champagnes e vinhos, leram as melhores traduções e interpretações dos eruditos, contudo, se afogaram no rio das tristezas que cujas águas eram enegrecidas pelo seu veneno.
Déspota de teu próprio seio, assim falam de ti nas praças, as ágoras do povo.
Ora, acaso toda essa vil vertente venosa em que lhe impregnam os seus e a tua fama, não é a tradução fiel de ti mesmo?
Um antigo filósofo trágico escreveu: “Os decadentes têm necessidade de mentira, têm nela uma das condições da própria conservação.”
Esse é o teu triunfo babélico. Preserva em ti o que tens de pior e rege todas as coisas com esta peculiar inspiração.
Ainda tu vens me dizer que és um bom homem e que quando comete um delito, trata-se de algo puramente humano e latente a todos?
Ora, não rebaixe a todos ao teu nível!

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Manejas a argumentação belicosa como artesão.
O melhor de mim é o que vos trago como uma proposta e é livre de suas acusações densas e profíquas ao teu discurso. O homem não vive sem uma utopia, sem um ideal. Isso é a chama que arde e que obstina todos nós.
Tu és um destruidor dos sonhos, da tradição e da moral milenar que custou sabedorias pós sabedorias.
Oh maestro, interlocutor do ódio, do pessimismo, tu plantastes os pés entre nós para nos levar aonde e de que jeito?
Tuas calúnias não se sustentam na verdade e não alteram o grande quadro da vida. A realidade é feita do que já existe e que uma vez foi sonhada e escrita por nossos antecedentes.
Você fica preso nos transtornos e grotões ácidos para generalizar e desmoralizar tudo. Não devias atrelar o teu ranço miserável com a vida e transformar o sistema que dá movimento a todas as coisas, como a grande engranagem que destrói coisas belas.
Faço uma prece aos teus deuses a fim de lhe enxetar da panaceia que cura o Homem de suas arrogâncias e vaidades!
Põe-te de pé, não vaciles os vossos joelhos e arreda-te de tua insignificância! Sejas um homem autêntico amiúde.
Descubra a felicidade da simpatia, gratidão e esperança!

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# Tenso Momento III/IV
"...tuas mãos recusariam o cetro e acolheria o imoral..."


Como é o teu céu, o teu circo eterno? Terrível é a sua grade de moral que aprisiona a todos, inválidos colossos.
Desde quando o que tu falas, inspirado em quem tu dizes, é perene? Tu relativiza e sujeita a ti mesmo, tudo aquilo que tu dizes. É fácil se encher de uma Verdade Soberana e veicula-la com destreza, prometendo os céus e a Terra com esta faceta de irredutibilidade.
A contradição está explícita. De maneira alguma tu conseguirás me convencer, posto que, se teus argumentos não fossem pífios, caso fossem balizados, ainda seriam descartáveis, uma vez que o desdobramento disso tudo é uma grande conjunção de poder, de concentração de morais e de sedução em massa.
Tu não enxergas o quanto tu tirastes a beleza das coisas que, por mais que nasçam abrolhos, espelham a imparidade dentro da pluralidade da existência?
Teus discursos, por mais moderados e bem intencionados, se esvaziam na práxis e se isso acontece, não é problema daquele que tu dizes que lhe inspira. O problema é a veiculação que engrena a todos que aderem e aderem com cabresto, rude ou leve.
Assim, por mais leve ou rude, tudo não passa de uma miscelânea de verdade e mentira postas a um interesse que funde um domínio, um estado moral, uma potestade vil.

***

Agora tu te mostras mais dócil, apesar de me ter como um perversor e manipulador. Todavia, se há um progresso, meu coração se alegra.
O que tu não consegues entender é que eu sou um porta-voz e não um guru. Eu entrego o recado e zelo para que todos saibam disso.
Parece uma incoerência eu apresentar como melhor opção ou ainda, implantar princípios que resvalam no que creio, porém, não há o que temer quando democratizamos o bem-estar e a coerência. Um padrão moral é sempre o melhor caminho para educar a humanidade que, sem ordem, é capaz de auto-destruir.
Ninguém quer manipular o interesse de muitos em favor de poucos. Há uma assembléia social que sempre estabelece os seus padrões e com uma regência apta a relativizar e se mobilizar conforme a sua vigência.
É preciso assumir o ônus das tentativas de moralizar a sociedade para fazer reparos em algo que é indispensável a todos nós.
Se não houvesse leis, como garantir os seus direitos na convivência dos Homens ou como iríamos crescer em civilidade e igualdade?
A vida se tornaria um caos se fosse permitido ao Homem viver sem limites e sem a informação de um plano superior que uniformiza aquilo que é vital a todos independentes de quem quer que seja!

***

Se fosse tão vital isso que você já estabilizou durante anos, o mundo seria diferente para todos e não apenas para uma fatia daqueles que prezam por isso.
Não haveria miséria, nem injustiça, nem violência, nem solidão que vingasse. O mundo seria outro, o homem seria mais humano independente do número de adesão ao seu credo vigente e institucional.
Os seus, ainda que fossem um número ínfimo, multiplicaria generosidade e abrangeria a todos sem rótulos. Seria uma pandemia de caridade e socorro.
Os campos seriam mais verdes e as relvas brotariam em solos áridos dando cores e cheiros contagiantes.
Se fosse tão vital, tuas mãos recusariam o cetro e acolheria o imoral. Tuas mãos tocariam o profano com a ingenuidade libertadora – o fraco-pequeno santificaria o gigante, o pérfido, o perdido.
Se fosse tão vital, ainda que não transformasse tudo como num conto de fadas, haveria um mundo de homens e mulheres que se interligaria mediante aquilo que cada um é e que está a caminho de ser, num processo de aprendizagem mútuo e natural, onde não se valoriza aquilo que cada um tem como poder aquisitivo ou intelectual, mas se evidencia quem se é em sua versão mais próxima de si mesmo.
Desse modo julgaríamos melhor a nós mesmos, levando em conta quem somos. Poderíamos nos moldar melhor se conhecêssemos a nós mesmos, livres de um sistema milenar que leva em conta a ignorância do homem com intuito de cerceá-lo com ameaças divinas, o enxerto dogmático para convencer e criar apologetas e mantenedores e por fim, leva em conta os anseios humanos a fim de iludi-los em suas fraquezas, pequenez e busca de sentido da vida para viver melhor aqui ou além.
O seu erro está em traduzir as tábuas da Verdade em vias de outra tábua, a saber, aquela que tu escreve e formaliza conforme a sua lente e isso só se dá através de um conjunto de regra para que haja a aplicação da mesma e a identificação do que seja lei superior e verdade perene aplicável.
Em outras palavras, se há um plano superior que consente a saga humana e a julga; e sendo inesquadrinhável a ti devido a sua maestria e eternidade, tu se vês necessitado em criar uma lente para enxergar a ética deste plano e então, tu vês, contudo, vês um palmo de sua confabulação divina.
Tu foste chamado pra ser alguém além de um servente da vida?

***

Tu não achas que isso tudo é uma grande tragédia e que nos levará ao fundo do poço? Achas mesmo que a humanidade pode viver sem um padrão que o direciona? Tu achas que todo mundo tem capacidade de andar com suas próprias pernas e ser feliz?
Nenhuma cultura vive sem uma crença, sem um veio moral que o sustente ou lhe inspire.
O mundo seria um caos sem a esperança, sem uma obstinação que seja fomentada por algo maior e que arda no coração humano. Quem pinta todas as coisas com o belo é a idéia de que tudo que existe é fruto de um artesão que cria as coisas e que promove diretrizes para a continuidade do belo.
Se não há uma gestão e se apenas existe seres caóticos, trágicos e alheios a tudo e a todos, tateando o “viver bem”, não seria melhor darmos cabos a vida?

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continuação...
breve...

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