O meu ceticismo – O Deus que está morto





Sabe aquele “João-Ninguém?”
Ele é tão alguém quanto você.
Ele é tão sagrado quando você

Pretendo não ser prolixo em declarar aquilo que não acredito. Eu abortei, definitivamente, o Deus que eu sustentei há anos. Este Deus era um Deus que se revelava em quatro interfaces: Pai, Filho, Espírito Santo e Cristianismo. Cada um tinha que respeitar a identidade e autoridade do outro e não poucas vezes, os atributos e caráter se chocavam. Esta quadrinidade batia continência a Bíblia e a cada interpretação que se despontava, o ser quadri-uno, se metamorfoseava em sua essência. Desta forma, bastava alguém rejeitar a Bíblia, e o ser quadri-uno se tornava o seu inimigo.
Não demorei muito para perceber que isso era um mundo de folclore e que cuja raiz, fundou a maior mentira da história. Do céu ao inferno, tudo era uma potestade carregada de mentira e que nutria e enlouquecia a humanidade.

A oração, o jejum, a adoração, o louvor, o dízimo, as ofertas, o batismo, a pregação, os trejeitos, os tiques, o emocionalismo e os transes apenas descreviam a aberração inclemente do adultério de Deus forjado pelo Homem. Queira você aceitar ou não, é uma questão de tempo para que se levantem estátuas, altares e bezerros de ouro, uma vez que o caminho da perversão religiosa é a adoção e adoração a uma esfinge que reúna e represente toda a mácula e elaboração. Todo esforço para criar um Deus, pede uma esfinge, uma figura assustadora. Toda maquinação pede uma representação. O tal quadrúpede é o anticristo e a sua ruína porá um fim no tempo e na existência. Precederá o inimaginável e impalpável.

No dia em que o Eterno rasgar o tempo, todo Homem verá e entenderá que Ele era o óbvio e que sempre esteve presente, porém nunca foi contido por ninguém e por nada e sempre se revelou nos encontros, desencontros, encantos, desencantos e cantos da vida. Todo joelho se dobrará e toda cera que esconde nós de nós mesmos, se derreterá. Entenderemos que fizemos vista grossa ao santuário do Altíssimo e que a catedral da fé explodia naqueles encontros em que você, que está lendo agora, se expunha de maneira como ninguém jamais o conheceu a fim de se desmanchar, entregar e sumir na presença Dele, porém no contexto entranhado com o seu semelhante. Saberemos que na contramão da vida, longe dos holofotes e microfones, geralmente, próximos as valas, fomos o que de fato éramos.

Saberemos que a igreja de Jesus é povoada por uma grei onde seus rostos não se percebem, apenas corações são entrelaçados com intimidade, lágrimas e dores.
Há muito tempo não tento separar joio do trigo, apenas caminho identificando-me com meus irmãos e irmãs. Viver assim nos dá outra visão das coisas. Já não há espaço para egoísmos, covardia, consciência pesada, medo e inquietação. A paz começa exceder desde já e o amor abrange com naturalidade. Vira sangue em circulação.
Quando você está longe de tudo e de todos, aí sim, você está perto de si mesmo. Quando você está desprendido da encenação de você mesmo, aí sim, você está perto de si mesmo. Quando você está no meio de muita gente, você é outro e você sabe o quanto se enterra e se disfarça. Você tem medo de que se descubra o quanto você não é aquilo que lhe torna conhecido. Sabe por quê?

Porque somos filhos e filhas da representação e pregadores da mentira. É preciso se livrar da reputação e ser franco ao Eterno Deus. É preciso levar essa nudez para o dia-a-dia a fim de se reconciliar com aqueles que esnobamos ou os tornamos irrelevantes. É preciso desistir de tudo em pró daquele que padece. Somos seres que vivemos rodeados de pessoas que sofrem o inimaginável e na verdade somos rodeados porque também sofremos assim. É uma questão de tempo para desencadear as agruras. Vivemos numa sociedade em que estabelecemos até que ponto alguém pode saber o quanto sofremos. Fazemos isso porque não nos aproximamos e não nos abrimos o suficiente, motivado pela desconfiança, incredulidade, medo e síndrome de super-homem, contudo, o “Eu-que-ninguém-conhece” é o altar do Altíssimo, o grande portal do céu.

Os filhos de Deus precisam entender que não há nada sagrado que não seja íntimo e nu – sincero e fiel. Somente com o desapego das máscaras é que nos fará bem ao dormir. Enquanto damos as costas aos carentes e necessitados e enquanto nos enclausuramos em nós mesmos, disfarçando e criando um perfil intelectual/espiritual falso, iremos viver de modo hipócrita até o fim e destruindo catedrais da fé.
O Deus que está acima de todos os deuses pede a nós vergonha na cara. Toda liturgia, todo o rito e toda a bíblia aponta para o Incognoscível e não o inverso. Abaixo de Deus e acima de todas as coisas prevalece o amor e ponto final. Amor é a nossa couraça. Todo rito, toda liturgia, toda oferta, todo sacrifício e tudo mais que é finito não deve receber outro significado além daquilo que lhe é peculiar, caso contrario, tudo isso se tornará ferramenta para levantarmos o nosso ídolo e haverá um dia que até a Bíblia há de virar fumaça, posto que ela não precisará mais revelar e apontar para nada .

Se você não vê o quanto as pessoas sofrem e que muitas delas está ao seu alcance, se você acha que o mundo é um mar de rosas, primeiro: você está anestesiado e quando cair a ficha, quando sair do seu escafandro, verás o quanto você negligenciou, fechou os olhos e passou por cima para viver aparentemente bem. Segundo: se você acha que as pessoas não sofrem e não estão cheias de demônios interiores, considere-se insensível e alienado. Existem duas realidades. A falsa: aquela em que um tapinha nas costas resolve. A verdadeira: aquela que só é vivida com olhos atentos, mãos trementes e ombros cansados. Sabe aquele “João-Ninguém?” Ele é tão alguém quanto você. Ele é tão sagrado quando você.

Se a sua fé for apenas discurso e rotina evangélica, teu Deus será deste tamanho. Um híbrido seu, do seu pastor, de seu ranço, tradição ou de sua confraria de ilha quadrada. Se você não se tornar um amante da vida e dos vivos, se você não enxergar Graça e sorriso divino nas esquinas da vida, se você não for além daquilo que as aparências alheias formalizam, se você não sentar na calçada, se você não se diminuir até que o “João Ninguém” se sinta a vontade, se você não esquecer do lucro e da produtividade dos frutos celestiais, se você não se esvaziar, se você não servir, saiba que você é mais um ente fabricado em série e que só trará danos a si mesmos e a todos aqueles que você podia fazem o bem. Adélia Prado escreveu: “Meu Deus, me dá cinco anos, me dá a mão, me cura de ser grande”.

Que toda síntese espiritual se dê no contentamento da maestria do Deus trino. Que rege tudo e todos numa sinfonia suntuosa e que não se dá ao esquadrinhamento por lentes humanas. Os verdadeiros adoradores, por vezes, adoram sem saber que adoram e constantemente habitam nos átrios do leito, do desespero e da tolerância, decididos a andarem com os que choram, abandonando o palco da dissimulação. São os que frequentemente optam pelo homicídio do Deus Vivo do Cristianismo a fim de vislumbrar a sombra do Onipotente onde perecem todos os ídolos e seus adoradores.
Prefiro andar na contramão a ter de me atirar no fluxo da massa tóxica, inebriante e alucinógena.

“Amar a Deus de todo o coração e de todo entendimento, e com todas as forças, bem como amar ao próximo como a si mesmo é muito mais importante do que todos os sacrifícios e ofertas juntos.”

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