A Teologia relacional da Dúvida

Após séculos de austeridades teológicas, onde a ortodoxia era fechada, rígida e fruto de conluio político e elitista, vimos também, ao correr da história, o despontamento da heterodoxia aberta, alternativa, flexiva, marginal e subversiva. De um lado tínhamos aqueles que faziam da suas interpretações bíblicas, a lei divina. De outro lado tínhamos aqueles que relativizavam tudo, porém também baseadas em suas interpretações. No fim das contas, era uma a extremidade da outra e isso chegou até os nossos tempos.

A dúvida é o fórceps niilista dos heterodoxos, algo nada nietzschiano, por isso, não passa de mais uma ferramenta para se fazer teologia. Para o filósofo alemão, a dúvida gerava a negação e não a contemplação da dúvida e esse é o pecado de quem quer viver na dúvida como um fim em si mesmo. A negação da verdade absoluta jamais deveria ser substituída pela dúvida e sim pela arte. Essa era a idéia de Nietzsche e que eu concordo. A dúvida é o engatinhar das desconstruções, mas ninguém precisa viver engatinhando a vida toda e/ou muito menos chegar numa outra verdade rígida que não poucas vezes é fomentada por interrogações e dúvidas sem fim – uma miscelânea empírica de questões mal resolvidas.

A verdade absoluta gera poder, manobra, justiça com as próprias mãos. A dúvida por dúvida gera cinismo, morbidez, verborréia, melancolia.

Quando Jesus veio ao mundo ele não absolutizou nada em suas falas que não fosse o ‘absoluto em pessoa’. Jesus não veio inaugurar uma veia moral, um braço intelectual, por isso não há como amalgamar Jesus em via de diretrizes com sistemáticas leves ou pesadas, abertas ou fechadas. Acabamos falando de um modo leve ou pesado de outro Deus.

A fé não é um montante de concílios, uma equação que diminui a velha ou nova forma de se fazer teologia, fé é apenas um modo de viver semelhante ao ‘filho do homem’, independente do que carregamos como bagagem religiosa ou cética. O grande milagre que explode a todo nano-momento na vida é a capacidade de gerarmos expressões nuas que são verdadeiras proles de alma humana e que evidencia uma geração, uma idiossincrasia, um estilo, um sentimento, um comportamento, uma maneira de viver junto e uma criatividade para produzir todo o tipo de arte e que marca uma época e uma cultura, desde música até lendas e superstições.

Penso que deveríamos desconstruir toda essa masturbação intelectual a fim de vivermos uma simplicidade que não causasse tanto ‘apartheid’ rotulado de fundamentalista/liberal, crente/ateu, religioso/laico, sagrado/profano. Penso que o caminho é a negação da religião como um tratado que una Deus e o Homem para que se torne um encontro do Homem com o Homem, onde Jesus, para os que têm a informação histórica dele, seja a coroa deste elo igualmente ele o é nos encontros inusitados de seus filhos que não o conhece como nós o conhecemos.

Deste modo, dispensa-se a verborréia do porte da verdade relativa ou absoluta, do sofrimento das desconstruções das teias paradigmáticas. Precisamos olhar mais o Jesus que também é Senhor de outras raças, culturas, tribos, povos e nações do que para o Jesus Cristianizado (o que não tem nada a ver em buscar sabedoria de outra religião ou corrente espiritualista), talvez assim nós ficaríamos anestesiados em relação a questiúnculas e overdoses de carga intelectual para definir a fé pessoal.

Talvez deste modo, a arte se torne o viés universal entre o Homem e Deus e não mais a verdade elaborada. Na arte, ninguém precisa ficar provando a existência ou a inexistência de Deus. Na arte, apenas há-se a manifestação da vida sendo vivida com o pouco, quase nada ou nada sobre Jesus e que ainda sim, este ‘pouco’ ou ‘nada’ é vertido em uma torrente de amor, justiça e humanidade nos poros da vida e do cotidiano – eis aí o paradoxo do ser conhecido por Deus.

Arte é a capacidade do Homem em conceber a vida em segmentos artísticos para o seu auto-vislumbre; nunca adultera a vida tanto como a elaboração moral da vida que prezamos. Voltaire disse que "a dúvida é desagradável, mas a certeza é ridícula", sendo assim, negue o céu da dúvida, o inferno da certeza e aproveite para negar-se a si mesmo.

Há quem viva se alimentando da fragilidade humana e da dúvida sobre Deus e o mundo espiritual, como se isso fosse um pré-requisito ao cristão ideal. Há aquele que pensa que o cristão precisa ter uma confiança inabalavelmente ortodoxa, que não titubeia. E assim as classes cristãs vão se distanciando uma das outras, como inimigas.

Bem aventurado é aquele que não enaltece a fraqueza e limitude como uma exclusividade de alguns que pontuaram suas fragilidades, afinal, ainda que ‘tudo coopera para o bem’ como um ‘mal necessário’ a nós ou como um desfecho agradável a Deus, não há um sequer que escape dessa condição, até o arrogante conservador se inclui nessa. Ora, não seria o caso da exclusividade ser extirpada pela contigência?

A fraqueza e limitude de muitos - que tantos outros veneram como espiritualidade moderna e underground - é a petulância do arrogante. Ou seja, o coitadinho da nova espiritualidade e o arrogante da velha espiritualidade estão no mesmo caldeirão, nus em fraqueza, limite e pequenez diante de Jesus. A única diferença é que um sofre da síndrome da soberania e outro sofre da síndrome da comiseração.

Ai, ai, ai... Tem pessoas que já morreram, porém deixaram um legado a partir de seus erros e acertos, fraquezas e proezas e que, por conseguinte as tiveram como obra póstuma entregue a ‘teses de modo de vida’ que eles mesmos jamais defenderiam. Enquanto a gente se delicia com as tragédias literárias, certos personagens - se fosse o caso e possível - não enxergariam virtude nenhuma.

Meu último apelo a todos que me lêem neste momento, é que medite na letra desta música, de coração, mente e alma: Clique aqui

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