E os macacos se vestiram



Eles desistiram de andarem nus. As macacas fizeram lindos vestidos, enquanto os macacos vestiram seus paletós finos...
O filósofo Jean-Paul Sartre disse que “ser homem é tender a ser Deus; ou, se preferirmos, o homem é fundamentalmente o desejo de ser Deus”. Ele estava longe de cometer um erro a cerca disso.
Por causa de nossa capacidade de raciocínio, fascínio e desígnio, inventamos nosso caminho e muito mais: nosso modo de caminhar. Já não há [ou nunca houve] uma conseqüência natural que não fosse laborada por nossos próprios vieses.
Ao construirmos nossa sociedade, elegemos nossas leis, objetivos e vínculos. As leis existem em função da ordem. Os objetivos nascem da necessidade de se manter bem. Os vínculos se estabelecem para suprir a procriação, o interesse, o prazer e a convivência.
Porém, como somos deuses-de-nós-mesmos, segundo Sartre, o nosso ser se define no ‘espaço da existência’ e a liberdade, que nos é pertinente, nos torna refém de nós mesmos, afinal, para sermos livres e artesãos de nós mesmos, precisamos lidar com a reação, que é indomada, inimaginada e confinante ao ponto de nos tornar aquilo que jamais pensamos ser.

A nossa deidade seria, de fato, poderosa, se fosse determinista. Se controlasse todos os meandros da essencialidade humana e por causa da ausência disso, somos deuses que apenas brinca de Deus, ora controlando com mão de ferro, ora inventando soluções práticas para atenuar imprevisto e angústia, ora brigando com o acaso a fim de descobrir um meio que eternize o prazer e a realização.
Nesse processo, os macacos se definem e se oprimem. A garantia de felicidade e realização de alguns macacos, subtrai a liberdade de outros e para a sobrevivência desses outros macacos, os tais se submetem as subtrações com uma garantia de razoabilidade dentro de sua sociedade. Nesse ínterim, somos diferenciados. Já não somos apenas comedores de bananas.
Os macacos e macacas que comem banana de ouro e vestem Prada, e aqueles e aquelas que comem banana prata e vestem folhas de bananeiras, são divididos em “classes sociais”.
Cada classe desenvolve suas doenças, necessidades e entretenimentos. Elas convivem lado a lado, porém não se misturam. Todos os macacos e macacas recebem etiquetas no colarinho e que representa a sua identidade. Recebem tratamentos conforme sua identidade e se aceitam e se rejeitam se valendo das etiquetas.

Os macacos e macacas, desde quando decidiram se vestir, começaram a se dividir conforme as cores e medidas de suas roupas...
Vivemos num mundo onde existem espécies diferentes entre os mamíferos quadrúmanos da ordem dos primatas, baseados naquilo que eles vestem, falam, têm e ouvem. O modo como cada um vive, crê, come e dorme, sobrepujou as velhas características que definem uma espécie – existem macacos e macacos.
Desta forma, divididos em classes, os macacos e macacas descobriram que podem desenhar os seus próprios caminhos com ostentação e o preço é se valer da indiferença ou do abuso com seus semelhantes e parentes. Os macacos e macacas se tornaram deuses e deusas, reconhecem seus limites como divindade, sabem que não podem ir muito longe sem abusar ou ignorar alguns de seus semelhantes, têm filhos que já crescem sabendo que há classes para que se sirvam e acostumam a todos da diferença sócio-primata a ponto de normatizar o fato e sendo fato é naturalmente normalizado.
Assim é o planeta dos macacos. Alguém deu o start e ninguém conseguiu parar a máquina. Resta criar paliativas soluções a cada ciclo, a cada nova era, a cada gestão, a cada sistema governamental, a cada crença e a cada dia que nasce nessa imensa jaula.
As leis regem às cegas, os objetivos são determinados conforme os anseios das classes vigentes e os vínculos são sectaristas e excludentes.
Um dia entenderemos que sempre existimos como macacos de alma involuída.

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