No ventre do mar



[onde começa e onde termina?
Onde iremos parar remando neste mar imenso?]


Todos estavam no mesmo barco. O feio e o bonito, o estúpido e o inteligente, o pobre e o rico, o sujo e o limpo. Não havia alternativas, o barco comportava a todos. Alguns se atiravam ao mar em suicídio, porém apenas antecipava o óbvio da tripulação. O sol os escaldava. Não havia um que ficasse livre de seus raios.

A tripulação se odiava, a tripulação se amava. Uns ficavam loucos, outros se aperfeiçoavam na viagem. Todos tinham uma opinião a cerca do que acontecia fora do barco. Uns levavam isso tão a sério que teorizavam mitos e estabeleciam um código ético entrelaçado com aquilo que eles conjeturavam a respeito do mar.

O mar guardava segredo: “onde começa e onde termina? Onde iremos parar remando neste mar imenso?”. No barco, havia uma organização onde o mais forte oprimia o mais fraco, oferecendo favos ilusórios; nasceu a comunidade e a cultura do organismo onde manda quem pode. Esses ganhavam o controle e a pacificação com trocas utilitaristas; assim vingou-se a sociedade.

O barco corria levando opressor e o oprimido, o altivo e o humilhado. Durante muito tempo o barco correu pelo mar, ora calmo, ora bravio. Tudo mudava dentro do barco, mas o mar era perpétuo. Até o dia em que o mar engoliu a todos. Não se viu um rastro de nada que foi criado, crido, moralizado e idealizado.

Uma grande fenda se abriu no mar e os engoliu. Todos e tudo. Tudo desceu na garganta do grande mar até o grande abismo, até o inimaginado cerne do mar, onde nada era conhecido, explorado e nada era válido como moeda ou linguagem. Ali, todos estavam vivos, porém com suas almas nuas; expostas como numa mesa cirúrgica. Todos, desde a primeira geração da tripulação.

Ali, um novo fôlego, chão e teto foram estabelecidos. Eles chegaram a um lugar não-mapeado e desconhecido; um lugar cogitado de várias formas; mas tudo ali era inimaginável e indescritível e ao mesmo tempo era tudo óbvio; o óbvio se fez um mistério revelado: era o “óbvio inimaginado” devido a incomensurabilidade do maestro que regia tudo aquilo.

Um comentário:

Mari disse...

Tão bom esse texto! Goxxtei. ;D